Inverno que era sempre comemorado porque eu sabia que ele não sentiria tanto calor para dormir e eu poderia ser abraçada de conchinha o tanto que desejasse. Agora é outra que suspira protegida olhando o quadro do Monet e ri apaixonada de algum provável barulho que ele faça com seu nariz estranho, jurando na manhã seguinte que não ronca. Saudade não é ex, tampouco amor. Mas a vida da qual abrimos mão por um sonho (ou por um erro) é passado. E de escolhas e de perdas é feita a nossa história.
Não há nada que se possa fazer a não ser carregar por um tempo um peso sufocante de impotência: eu escolhi que aquele fosse o último abraço. Agora é outra que se perde em ombros tão largos, tomara que ela não se perca tanto ao ponto de um dia não enxergar o quanto aquele abraço é o lado bom da vida. Da vida que te desemprega mesmo depois de tantas noites em claro e de tantos beirutes indigestos. Da vida que te abre uma porta que você jura ser a certa mas quando resolve entrar descobre duas crianças brincando na sala e uma mulher esperando no quarto. Da vida que te confunde tanto que você quer se afastar de tudo para entendê-la de fora. Da vida que te humilha tanto que você quer se ajoelhar numa igreja. Da vida que te emociona tanto que você não quer pensar. Da vida que te dá um tapa na cara pra você acordar e não tem ninguém pra cuidar do machucado e dizer que vai ficar tudo bem. Da vida que te engana.
Aquele abraço era o lado bom da vida, mas para valorizá-lo eu precisava viver. E que irônico: pra viver eu precisava perdê-lo. Se fosse uma comédia-romântica-americana, a gente se encontraria daqui a um tempo e eu diria a ele, que mesmo depois de ter conhecido homens que não gritavam quando eu acendia a luz do quarto, não faziam uso de um cigarro que me irritava profundamente e sobretudo minha rinite alérgica, não amavam os amigos acima de, não espirravam de uma maneira a deixar um fio de meleca pendurado no nariz, não usavam cueca rosa, não cantavam tão mal e tampouco cismavam de imitar o Led Zeppelin, não tinham a mania de aumentar o rádio quando eu estava falando, não tiravam sarro do bairro em que nasci, não insistiam em classificar minhas mãos e pés como seres de outro planeta, não ligavam se eu confundisse italiano com espanhol e argentino, nomes de capitais, movimentos artísticos, datas de revoluções e nomes de queijo, era ele que eu amava, era ele que eu queria. E ele me diria que, mesmo depois de ter conhecido mulheres que conheciam a Europa e não entupiam o ralo com cabelos, mulheres que tinham nascido em bairros nobres e charmosos de São Paulo, ou melhor, do Rio de Janeiro, mulheres que arrumavam a cama e não demoravam tanto para sentir prazer, não entravam de sapato no carpete, não tinham uma blusa ridícula com uma rajada de dourado, não eram dentuças e tampouco testudas, não cantavam tão mal, não tinham medo de cachorros pequenos, não reclamavam do ar-condicionado e nem tinham medo de perder a mãe ou comer uma comida muito temperada, era eu que ele amava, era eu que ele queria. Mas a realidade é que não gostamos desses tipos de filme fraco com final feliz, gostamos dos europeus “cult” onde na maioria das vezes as pessoas sofrem e perdem, assim como aconteceu com a gente..
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