29 de jan. de 2015

A vida que não segue





Essa é a vida que segue de forma hostil, engraçada e um tanto quanto patética. Essa é a vida que se transforma, deleta, e recomeça. Recomeçar é tão triste, e ninguém sabe o quanto me sinto perdida quando me vejo num recomeço. Me sinto perdida, aflita, e desorientada quando finalmente percebo que estou sozinha de novo. Preciso escrever para me salvar, e salvar todos ao meu redor. Preciso escrever para dizer o quanto a vida está correndo rápido demais, e o quão assustada e arredia eu estou me tornando.


Estou te escrevendo porque estou demasiadamente perdida. Perdida do que eu era, perdida de você, perdida do mundo em que eu vivi por um bom tempo. Estou te escrevendo demasiadamente porque ainda busco seu corpo em outros corpos, e seu olhar frio nos outros olhares de pessoas frias e passageiras. Estou te escrevendo demasiadamente porque vivi por um bom tempo chapada, procurando razões, soluções, encontros e desencontros. Me perdi de você, de mim, e tudo aquilo que um dia eu cheguei acreditar. Mas eu escolhi que aquele fosse o fim. 

Estava e estou tão cansada. Tudo que eu mais quero é fugir de tudo isso. O problema de fugir é que você vai junto comigo.  Passo pela rua que você morou e é como o seu fantasma ainda estivesse naquela esquininha conversando comigo. Passo pela rua de cabeça baixa porque tudo isso ainda me dói um bocado, mas nada disso impede para que eu siga me vida conforme todo mundo me suplica. Se desse, se pudesse, seria isso e fim. Mas não posso, e nem devo ficar aqui. Se desse, se pudesse, eu até falaria milhares de coisas tortas, mas você não pode ouvi-las.
 

Se eu pudesse, não seguiria em frente. Se eu pudesse realmente, ficaria aqui, dentro desse quarto, esperando que o mundo acabe lá fora. Mas não dá para ser assim. Eu, que sou estudante universitária, não posso me dar o luxo de sofrer o tempo inteiro, nem ao menos, posso me dar o luxo em me enfiar de vez em qualquer sentimentozinho banal que queira nascer no meio disso tudo.

A vida acontece meio aos tropeços e acertos que fui dando ao longo desse tempo todo. A vida acontece quando desapareço e esqueço. A vida acontece mesmo quando quero chorar ouvindo Ne me quitte pas. A vida acontece da mesma forma quando um cara me manda os solos de guitarra tocada por ele, com a uma música do Nirvana. A vida desacontece quando descubro que não consigo mais ser mais inteira.

Poderia citar uma lista de nomes e características dos caras que tentam ocupar os lugares que já foram ocupados. Poderia citar o quanto o mocinho da faculdade me encara, e o quanto ele me faz sentir tão viva. Poderia citar também o quanto fico triste sabendo que não passa de desejo carnal. Poderia citar também o quanto seu cabelo fica incrivelmente lindo quando arrepia, e o quanto fico arrepiada quando sinto o olhar dele em cima de mim. Quero realmente me intrometer nos assuntos dele, e na vida dele, puxa!

Poderia citar o francês. Ele fala francês, ele se comporta como um francês, mas é brasileiro. Poderia citar que ele diz “Bonne nuit petite” quando digo que irei dormir. Mas poderia também dizer que ele só leva suas namoradinha aos motéis mais caros da cidade. Poderia dizer o quanto me sinto vazia quando lembro dele, e poderia até mesmo dizer: Ei cara, baixa bola! Mas quero me sujar da podridão dele, quero realmente me enfiar na lama, sabe?

Poderia citar o maconheirinho da faculdade federal da cidade. Aquele mesmo que diz que quer criar laços comigo. Aquele mesmo que diz o quanto fumar maconha é divertido, e no fundo, acho isso tão banal e tão vazio. Aquele mesmo que era seu amigo, lembra?  Ou qualquer coisa do gênero. Aquele mesmo. É, aquele lá. E eu não quero nada, nadinha. Só sinto sono.

Poderia citar um outro cara da faculdade que insiste em dizer o quanto minha boca é bonita, ou o quanto meu corpo é bonito. A voz dele é forte, o sotaque dele é mais forte ainda, e consegue ser mais irritante do que eu o meu. Se lembra de como você ria do meu sotaque?  Poderia dizer que quero finalmente fazer sexo com ele, mas não é isso, eu não devo nem ao menos chegar perto dele. 

Poderia continuar citando, decorando e dando nome aos bois. Mas são coisas que aconteceram e que já passaram. Eles nunca vão conhecer a mulher louca que saia correndo da sua casa e que teimava nunca olhar para trás. Eles nunca vão conhecer a menina tão frágil com a maquiagem toda borrada, e que ria dessa cena. Eles nunca vão saber o quanto eu arrepiava com o seu toque em cima das minhas costelas. Eles não vão ver a minha calcinha de oncinha que eu achava engraçada. Eles não vão me ver descabelar, chorar, e dizer o quanto tudo isso é patético. Não vão conhecer a que levanta a cabeça e não olha nem ao menos no fundo dos teus olhos. Não vão conhecer meu lado patético de ser, apenas meu lado legalzinho e passageira.

Eles não vão ser um décimo do que você foi. E sabe, não há porque realmente escrever, é que realmente acordei saudade, mas eles não vão saber o quanto eu odeio sentir saudades, e você sabe disso. Você me conheceu toda desmontada, desfigurada e bagunçada. Me expus sem medo, e sem muito drama. Você sabe, eu não sei sentir saudades quieta. Não sei sofrer em paz, na minha. Não sei ser menos.
 
Escrevendo esse texto só posso afirmar que sinto saudade hoje. Mas sinto saudade porque hoje é quinta-feira, e quinta-feira um dia propício à ter saudade. Sinto saudade porque tá ensolarados, e dias assim me fazem ser tão triste apesar de que estou vestindo um pijama de bolinha tão patético que aposto que iria te fazer rir.  Escrevo apenas para dizer que a vida segue seu caminho, apesar de tudo. Apesar das festas, e das insônias. Apesar de tantas coisas, a vida não acontece no meio do drama, do sufoco, e da aflição. A vida acontece só quando fecho os olhos e posso simplesmente desligar de suas lembranças, e de tudo que aconteceu pós a sua passagem.



Não quero ser comida (literalmente) pelo mundo, quero mais é ser escarrada.

15 de jan. de 2015

Hoje eu chorei com o caminhão de gás - Tati Bernardi



A primeira coisa que eu vi quando abri os olhos foi a minha cachorrinha me espiando triste do corredor, eram quatro da manhã e eu já sabia que não iria dormir mais.
Meu sono é interrompido de duas em duas horas por um pânico horrível que paralisa meus órgãos e só deixa viva a bile que toma todo o meu corpo e me faz querer vomitar até virar do avesso.
Eu arregalo os olhos para o teto, fecho minhas mãos com uma força que quase faz com que minhas unhas cortem minhas palmas e deixo a onda da dor vir, ela me sacode inteira, me joga numa profundidade sem som e me afoga por completo.
Abro as janelas porque preciso de ar, mas nunca tem ar para meu pulmão afogado. Coloco o santinho que meu avô me deu no peito e peço a ele: você já morreu por amor, não deixe acontecer o mesmo comigo.
Amar dói tanto que você volta a lembrar que existe algo maior, você se lembra de Deus, você se lembra de vida após a morte. Amar dói tanto que você fica humilde e olha de verdade para o mundo, mas ao mesmo tempo fica gigante e sente a dor da humanidade inteira. Amar dói tanto que não dói mais, como toda dor que de tão insuportável produz anestesia própria.
Você apela pra todo e qualquer santo, pra cartomante, pra ex-namorado, pra tarólogo, astrólogo, psicólogo, numerólogo, amigo e apela até pra inimigo. Qualquer um, pelo amor de Deus, tire essa dor de mim.
Não adianta, não vou dormir mais. Mas vou fazer o que então? Minha cama me lembra você, minha cachorra me lembra você, beber água me lembra você, viver me lembra você.
Vou me levantar agora e ir para onde? Tomar banho? Tomar café? Não tenho nenhuma vontade de existência, seja de vaidade ou gula. Só quero ficar deitada, mas ficar deitada também dói. O mundo não tem posição confortável pra mim, aonde vou, essa merda de dor horrível vai junto.
Chorar não adianta, eu seco de tanto chorar e não passa. Ver TV, falar ao telefone, dançar, gritar, escrever, abraçar minha mãe, tomar suco de manga… nada adianta.
Eu sei, eu sei, o eterno clichê “isso passa”. Passa sim e, quando passar, algo muito mais triste vai acontecer: eu não vou mais te amar.
É triste saber que um dia vou ver você passar e não sentir cada milímetro do meu corpo arder e enjoar. É triste saber que um dia vou ouvir sua voz ou olhar seu rosto e o resto do mundo não vai desaparecer. O fim do amor é ainda mais triste do que o nosso fim.
Meu amor está cansado, surrado, ele quer me deixar para renascer depois, lindo e puro, em outro canto, mas eu não quero outro canto, eu quero insistir no nosso canto.
Eu me agarro à beiradinha do meu amor, eu imploro pra que ele fique, ainda que doa mais do que cabe em mim, eu imploro pra que pelo menos esse amor que eu sinto por você não me deixe, pelo menos ele, ainda que insuportável, não desista.
Minha cachorra pede um biscoitinho, aí eu choro porque eu lembro que você adorava dar biscoitinho para ela. Está sol, e eu choro porque você ficava feliz com o sol e você feliz era tão perfeito que eu tinha medo. Aí eu vou escovar meus dentes e choro porque você tirava sarro da minha escova elétrica, depois eu faço xixi e choro porque a gente tinha liberado o xixi de portas abertas. Eu abro o guarda-roupas e choro porque eu não quero ficar bonita, eu não quero dar a volta por cima, eu não quero ficar bem pra você ver que eu estou bem e quem sabe ter saudades. Choro porque acho ridículo os jogos da vida, qualquer coisa é ridícula perto desse amor que é tão simples e óbvio.
Quando finalmente eu consigo me arrumar em meio a esse rio de lágrimas, eu choro porque o caminhão do gás passou e aquela musiquinha idiota, mais algumas crianças berrando na quadra lá embaixo e mais dois passarinhos cantando na minha janela, me lembram que a rotina, a alegria e a pureza ainda existem, apesar de você não estar mais aqui.
Nada, nada aconteceu para o mundo. E eu me sinto minúscula e sozinha por não ter a cumplicidade da vida lá fora, por não ter um minuto de silêncio pela nossa morte, por ter que sentir tudo isso sozinha, entre escovas de dentes, xixis e roupas dobradas e cheirosas.
Odeio a ordem de tudo, odeio a funcionalidade de tudo, odeio que a TV ligue, que o telefone toque, que meu estômago peça comida, que japonesas riam fora de hora, que meu carro corra, que a bola quique duas vezes antes e, principalmente, que você, não muito longe daqui, sorria.
Dirijo até meu trabalho sem nada dentro de mim a não ser um monstro parasita que se alimenta do meu desespero, nenhum farelo de comida. Meu lado da frente está quase colando ao de trás, talvez na falta de você eu precise mesmo me juntar mais a mim mesma. Minha mesa está lá, meu lixo está lá, minha cadeira, a menina grande que fala igual a um homem, a gordinha solícita que não pára de me olhar até que eu olhe para ela, sorria e diga bom dia. Está tudo lá, mas você, mais uma vez, não está aqui.
Vou para o banheiro e choro, que novidade? Mas dessa vez porque me olho no espelho, e isso também me lembra você. Eu era sua, a sua menina, a sua criança, a sua mulher, a sua escritora predileta, a sua parceira de dar risada de programas estúpidos que passam de madrugada na TV, a sua namorada sensível que tinha medo de vomitar e de amar demais, assim como você. A sua melhor amiga pra sentar num banco de praça e falar mal de todo mundo, pra perder um trem na Itália e ainda por cima sentar num chiclete fresco ou pra cuidar do nosso porquinho de pelúcia. Eu era a mulher que encaixava a cabeça nas suas costas e sabia que tinha nascido a partir de você, eu era a mulher que esperava sofridamente você voltar mas nunca deixou de te amar mesmo quando você ia.
Todo mundo me fala que eu preciso ser minha, inclusive pra ser sua, mas eu não deixo de olhar para o espelho e ver uma metade de gente, uma metade de sonho, de sexo, de alegria e de futuro. Que se foda a auto-ajuda, que se fodam os livros com homens carecas, que se foda o terceiro olho (do cu?) e que se foda a psicologia: eu sou mesmo metade sem você e que se foda!
Se antes de você aparecer eu já te amava, eu já te esperava, eu já sabia que você existia, como eu posso não te amar agora que você tem forma, sorriso, coração e nome?  



Tati Bernardi 

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