5 de nov. de 2014

Carta para o homem que morreu e um pouco de verdade viva - Tati Bernardi




Você pensa que eu não sei? Eu sei que tenho soluçado risos nervosos por aí. Sempre um por aí perto dos seus ouvidos. Tudo para você ver o quanto eu me divirto, o quanto sou charmosa. Para você lembrar de como a gente se diverte, com a minha risada, com a sua. E eu grito um pouco rindo, eu sei disso também. Que é para você lembrar de quando eu sinto prazer. De quando você me dá prazer. Eu passo quieta por você, você passa quieto por mim, e eu ainda escuto o barulho que a gente faz. Vocês pensam que eu não sei? Escova no cabelo todos os dias, lápis nos olhos, perfume de morango. Eu sei, eu sei, a paixão é ridícula. 
Sei que não cumpro o que prometo com olhares de mulher. Pois é, eu sou uma menina. Surpreso? Eu não. 
Você está surpreso mesmo? Achou que era uma mulher te instigando para fugir da lógica? Isso é coisa de criança. Lógica? Que se foda a lógica. Eu não tenho tesão nenhum em separar o certo do errado. Espero não aguentar mais a dor do caminho errado para mudar de vida, é só isso que acontece.
E o caminho certo também não me dá muito tesão não. Menos aquele que a gente fez para fugir, menos aquele que a gente fez para se pegar, se entrar, parar de pensar em sentir e sentir de uma vez.
E a inspiração para escrever Meu Deus! Foi para onde? Foi para o mesmo lugar da minha outra paixão esquecida. O homem para o qual dedico este texto.  Aquele que tirei do pedestal e nunca mais coloquei em lugar nenhum. Foi para depois. Depois que eu resolver o que é verdade, o que é de verdade.  Você pensa que eu não sei que você sabe que eu estou mentindo? Eu sei.  Quer um pouco de verdade? Leia o começo deste texto, não é sobre você que eu escrevo não.  Essa é a verdade, mas você me ensinou que ela não é necessária. Eu sei bem. E sei que você mente também. E sei que a gente se atura porque perder pessoas é muito triste. Por mais que você não venha me encoxar no meio da noite, não me agarre no corredor, não jogue a porra do controle remoto para longe, não fale no meu ouvido o quanto você está precisando me comer naquele momento. Por mais que você não seja esse homem, você respira quietinho ao meu lado enquanto dorme, lindo. E quando você dorme quietinho assim, eu sei que, apesar de eu não abalar sua vida em nada, você precisa de mim. E você já abalou tanto a minha vida. Que pena, agora você morreu. 
Mas eu continuo vendo você respirar, quietinho, ao meu lado.  A verdade é que eu ainda acredito 
em reencarnação. E eu te olhei tantas vezes implorando. Não morre, por favor. Seja ele, seja o homem que perde um segundo de ar quando me vê. Mas você nunca mais me olhou quase chorando, você nunca mais se emocionou, nem a mim. Você nunca mais pegou na minha mão e me fez sentir segura. Nunca mais falou a coisa mais errada do mundo e fez o mundo valer a pena. Eu treinei viver sem você, eu treinei porque você sempre achou um absurdo o tanto que eu precisava de você para estar feliz.  De tanto treinar acostumei. 
E cadê a inspiração? Foi embora junto com a minha pureza, a minha crença, a minha fidelidade. Eu sou comum, igualzinho a você, a vocês. Eu cometo erros mesquinhos e sou capaz de grandes momentos. 
Para cada grande momento, milhares de erros mesquinhos no ar, no lençol, no ralo de um banho cheiroso. 
Para cada fundo do poço, milhares de motivos de perdão boiando, boias de coração para eu me agarrar. 
E eu nunca me agarro em mim, sempre espero alguém chegar.  Eu não queria ter ido tão longe. Nem seguido um que não posso, nem aturando outro que nunca pude.  Eu só queria que ele aparecesse, o homem que vai me olhar de um jeito que vai limpar toda a sujeira, o rabisco, o nó. O homem que vai ser o pai dos meus filhos e não dos meus medos. O homem com o maior colo do mundo, para dar tempo de eu ser mulher, transar para sempre. Para dar tempo de seu ser criança, chorar para sempre. Para dar tempo de eu ser para sempre. Cansei de morrer na vida das pessoas. Por isso matei você. 
Antes que eu morresse de amor. Matei você. 
Eu sei que sou covarde. Surpreso? Eu não. 
Desculpa, eu tinha prometido nunca mais escrever tão subjetivamente. 
Te amo, viu? 
Você renasceu de novo. 
Eu sei que sou louca. 
Louca e covarde.

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