19 de ago. de 2014

Ninguém esquece




Ninguém esquece o primeiro desafeto. Aquela saudade corroída, aquela vontade esmagadora de querer dar a volta por cima.
Ninguém esquece o primeiro texto escrito. A vírgula mal colocada, a crase no lugar errado, o verbo conjugado errado. 
Ninguém esquece a dor do desprezo então, deve ser por isso que eu sou assim: tão cheia de mim e tão vazia dos outros. 
Ninguém esquece aquele silêncio em que ambos desejavam uma resposta só que mesmo assim, ninguém dizia nada.
Ninguém esquece o preço da saudade. Aquela saudade que corrói o peito nas noites. Aquela saudade que engasga e que não te deixa alimentar. Aquela saudade que vira aflição.
Ninguém esquece o ego ferido. Noites são preenchidas com um novo perfume masculino, um novo toque sobre a pele e tudo isso em busca de uma resposta, de uma escolha, de um ego reconstruído
Ninguém esquece aquele último adeus. Aquele beijo com o sentimento incerto. Aquela vontade de sair correndo pra algum lugar mas não sabe exatamente pra onde.
Ninguém esquece aquela vontade de dar a volta por cima. Aquela força involuntária de querer viver e de querer ser mais. Mais bonita, mais completa e menos tão superficial. 

Ninguém esquece a primeira declaração. Aquela coisa mal correspondida, ou então, totalmente correspondida. Aquele medo de não dar certo. Aquele silêncio tímido. Aquela parte que fez de você o que é hoje.
Ninguém esquece o ponto final. Aquele sofrido ponto final tendo a consciência que não voltará mais. Aquele sofrido fim que finalmente existe e está bem na sua frente. Aquele ponto final dolorido mas ainda assim, tão seu e tão composto de histórias e de curvas, e por isso, tudo valeu a pena. Mesmo com um ponto final, a consciência de que tudo aconteceu se torna bem melhor do que ter que viver culpada para sempre.





"Estou no seu âmago.
Ainda estou.
Estou no centro vivo e mole.
Ainda."

(Clarice Lispector - Água Viva)


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