13 de dez. de 2014

Divã




Oi, Doutor. Preciso me apresentar formalmente? Ok, ok. Meu nome é Anita.Tenho 21 anos, Sou virginiana, com ascendente em Áries, lua em leão. Aliás, minha Vênus está em leão. E não acredito em horóscopo. Apenas gosto de dar essas complementações porque simplesmente nunca sei o que dizer sobre o que sou. Quando a astrologia entrou na minha vida, Doutor? Nem eu lembro. Mas descobri que ficaria menstruada pela primeira vez quando li um horóscopo de uma revista. Nem acredito em revistas também. Às vezes, eu não acredito nem em mim, e é por isso que eu quero conversar com você, doutor. Se sou triste? Pois é, sou. Sou melancólica, e um bocado depressiva. Acho que é pelo fato de ser filha única, não sei. Quando começou? Não lembro. Sei que me sinto triste algumas horas por dias, e sempre nos finais de semana penso em morrer. 

Ah, Doutor, eu não sei porque eu quero morrer justo nos fins de semana. Talvez porque eu estou acostumada a entrar nessa tal roda gigante que todo mundo costuma dizer que é a vida. A vida é cheia desses altos e baixos. Cheia de trocadilhos ridículos, e de piadinhas de tios sem noção num fim de churrasco. Sempre estou indo embora. Embora? Sim, sempre estive pronta para dizer adeus e fim, fechem as cortinas. Mas nunca tive muita coragem. Tenho medo de morrer, vai que dói né? Doutor, eu sei que dói, e eu nunca fui num psiquiatra antes. Tenho medo de reencarnação. Pois é, dá para acreditar nisso? Nem eu acredito que tenho medo. 


Meu maior medo? De vacas. Morro de medo. E olhe que gosto de animais, gosto mesmo. Mas eu sei que elas são inofensivas. Mas acho que sempre gostei de dizer que tenho medo delas. Mas também morro de medo da cegueira que me ronda. Não cegueira literalmente falando, mas aquela cegueira sentimental que te faz ver as pessoas com outros olhos. Olhos felizes, ou até mesmo patéticos demais. Tenho medo de ser cega quando faço minhas escolhas. Tenho medo de ser cega quando me apaixono. E tenho medo de ser cega quando condeno os outros. Tenho medo de ter medo, e é engraçado dizer isso. Isso nunca me fez parecer insensata. Desculpa doutor, estou falando rápido demais, e tudo bem. Tudo bem mesmo. Mas aos poucos, meus medos são tão idiotas comparado ao das outras pessoas. Nunca entendi o medo de morrer. Nunca tive. Sempre tive a morte do meu lado desde criança. Então, convivo bem com ela. Nem tenho medo da solidão, eu sou melhor assim. Então, esses medos fortes, não me fazem ter medo de nada.


Por que você quer que eu fale sobre minha vida amorosa, doutor? Nem ao menos sei o que é isso. Sou meio doida, sabe? Meio punk mesmo. Porra louquíssima quando se trata de relacionamentos. Muitas vezes pensei em entrar nesses programas para mulheres que amam demais, mas tenho noção que é só drama. Se eu já amei, doutor? É lógico. Sou intensa demais para viver 21 anos da minha vida sem ao menos amar uma vezinha só. Mas amei verdadeiramente dois caras só. E os dois cagaram para que eu sentia. Na verdade, eles cagaram para minha existência. Não sei doutor, não sei se fiquei assim, meio triste por conta deles. Acho que não. Acho que gosto mesmo é de drama, e de fazer com que as pessoas se sintam culpadas pelo jeito. Eu tenho esse lado meio de querer culpar o mundo pelos meus problemas. É, doutor, eu sei que é errado.

Me apaixonei uma vez pelo meu melhor amigo. Foi a pior burrada da minha vida. Mas também me apaixonei por um menino da faculdade. E depois por um menino da minha sala. Me apaixonei também por um cara que nunca quis nada comigo, e ainda de brinde, viajou para longe. Mas eu sou apaixonada mesmo é pelos personagens que crio. Eu gosto de me sentir apaixonada, mas não sei lidar, então, entro em crise. Sempre entro em crise quando estou apaixonada e quando sou correspondida. Sempre entro em crise quando estou apaixonada e não sou correspondida. Sempre entro em crise quando se apaixonam por mim, e eu, infelizmente, não posso corresponder. Me sinto ofendida, doutor. E sempre dizem que tem a ver com o meu horóscopo, mas eu não acredito. Acho que tenho sérios problemas com confiança, e sempre também dizem que é porque nunca aprendi a confiar em homem. O motivo, doutor? Eu cresci sem pai. E torço para que nenhum namorado seja igual a ele.

Às vezes, acho semelhança nele com outros caras por aí. Uma vez andei de ônibus, e o motorista corria tanto, e era engraçado porque ele acelerava o ônibus, e lembrava bastante do meu pai, e como se não bastasse, ele cantava. Achei engraçado, doutor. Achei mesmo. Tive um professor na faculdade que era idêntico ao meu pai, e eu simplesmente tomei birra deles, doutor. A minha sorte que ele puxava meu saco, porque tudo que eu mais sentia era nojinho de ficar perto. E às vezes, acho que os caras que gostei tem uma puta semelhança com o meu pai, e desculpe o palavrão. A semelhança, doutor? Eles sempre cagaram para minha existência.

Tenho uma mania grande também de instigar a memória dos outros. Não conto minha vida inteira, doutor, porque acho tão sem graça. Mas também não quero me dopar de calmantes para viver minha vida tão em banho maria. Gosto de causar paranoia nas outras pessoas. Gosto mesmo. E admitir isso me faz menos insensata, doutor? É, eu sei, deveria ser mais franca na próxima vez. Prometo que serei mais franca na próxima vez. Mas tenho sérios problemas em ser franca. E isso é errado. Sou muito 8 ou 80. Ou minto muito, ou escapo todas as verdades universais num dia só. Por isso, nem ao menos sei quem eu sou. Às vezes, eu me vejo tão livre, e às vezes, eu me vejo tão presa nisso tudo.

Doutor, deitada nesse divã, tudo parece tão mais claro. Tudo parece tão menos infinito quanto me parece. Eu sempre acho que vou morrer, mas ao mesmo tempo, sempre acho que quero viver, morar nos Estados Unidos ou em Londres. Sempre acho que vivo escrevendo personagens na minha cabeça facilita tudo mais. Doutor, tem remédio para amar? Às vezes, eu sinto algo dentro do meu peito que nem ao menos sei definir. Uma vontade horrorosa de amar todo mundo, e ao mesmo tempo, uma vontade horrorosa de nunca mais viver. Eu tenho vontade de não mais existir, mas da mesma forma, tenho vontade de infinitas coisas. São tão infinitas que não sei ao menos sei decifrar. Doutor, eu sei que falo demais, e sempre implicaram comigo. Tudo que eu mais queria era ter alguém que não implicasse por eu ser assim, tão cheia de mim.

Doutor, eu já quero marcar outra consulta. Posso?
Ok, nos vemos semana que vem. Espero ter mais coisas. Porque é tão difícil ter alguma coisa vivendo nesse meu mundinho tão cheio de coisas sem nexos. E é tão difícil existir.
Prometo não fazer nadinha, prometo.
Até depois, doutor.


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